Considero-me suspeito e paradoxalmente habilitado para prefaciar esta oportuna obra. Suspeito porque conheço o autor há duas décadas; cursamos Bacharelado em Direito na mesma turma; além de outras afinidades, somos confrades da Academia de Letras da Região de Picos; durante um período, dividimos apartamento e algumas dores, mas também poesia, música e cerveja. Essa intimidade, somada ao fato de eu conhecer os dois livros anteriores de meu amigo, habilita-me a descrever o terceiro, que tive o privilégio e o deleite de ler antes da impressão.

Em “Vinte mais uma histórias de humor”, lançado em 2003, veem-se gracejos e descontração, que denunciavam a jovialidade e ingenuidade do escritor. Já “Um bocado de dor, um punhado de humor”, publicado 14 anos após o primeiro, mantém o chiste — com o sarcasmo machadiano e acrescido de certa dose de tragédia, como se entregasse as aflições que supostamente o atingiram no ínterim entre uma e outra produção.

Passados dois decênios de sua primeira publicação, Flávio de Ostanila nos presenteia com 30 crônicas dignas de um homem maduro — apesar de ele nunca mencionar sua idade —, forjado nas batalhas diárias pela sobrevivência; feito nas lutas intermináveis por um mundo justo; concebido nas reflexões constantes para ser um cidadão, uma pessoa e um pai melhores.

Oportuna, conforme fiz alusão no introito, porque — em época de “politicamente correto” e “cancelamentos” — “Sussuros do Mundo” é composto, em sua maior parte, de textos críticos: carência de amizades verdadeiras (Procura-se amigo); egoísmo (Tempo de despertar?); hipocrisia (Mais um Natal…); indignidade (Do tamanho de uma muriçoca); pobreza (Ser pobre é…); opulência (Sonhei que eu era um prefeito); insatisfação (Migalhas filosóficas); abatimento (Viver é…).

Os exemplos acima dão uma amostra da vastidão de temas arrolados aqui por apenas um indivíduo, o qual aborda, no entanto, dilemas universais: mentira, traição, abandono, desilusão, ressentimento, inveja, fracasso, assédio, desigualdade, redenção, abnegação. A mim me parece que esses assuntos todos têm a ver com o tempo — não é ele senhor da maturidade? que permite à caneta discorrer tão mansamente até mesmo acerca de enredos inquietantes ou perturbadores, conforme fez Flávio ao elogiar a morte em “Ensaio sobre a perfeição”!

Não os tentarei enganar. São crônicas ácidas, de tamanha densidade que só um espírito sensível, mas calejado, seria capaz de aplacar o peso dessas folhas. É exatamente isso que o autor faz: transforma sofrimento, que não é só dele, em arte; ajuda o leitor a conviver pacificamente com o inconciliável.

Assim, ouso dizer que a mão, ora firme, é também terna quando escreve “Aceita um café?”; singela em “Pingos de vida”; e amorosa — A vida é (Isa)bela!

Caros leitores e leitoras, convido-os a “ouvir”, no volume máximo, aquilo que vocês vêm sussurrando em suas próprias cabeças. Confesso que me emocionei com a leitura tal qual eu estivesse em um divã — tornando essas despretensiosas páginas, porém impactantes, parte de mim.

Que sejam parágrafos ou capítulos de vocês também! pois tudo o que está contido nessas linhas, por vezes amargas e tortas, é, na acepção mais realista, algo a que se deve chamar de viver.

Francisco das Chagas de Sousa, professor, jornalista, engenheiro civil e ex-presidente da Academia de Letras da Região de Picos.

Paulo Ricardo

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