Venezuela está ameaçando invadir a Guiana | Foto: ZURIMAR CAMPOS / Venezuelan Presidency / AFP
Por Jurandir Soares
Não bastassem as guerras da Rússia contra Ucrânia, Israel contra Hamas e outras pelo mundo das quais pouco se fala, estamos na iminência de outra confrontação bélica aqui na América Latina. A Venezuela está ameaçando invadir a Guiana para tomar dois terços do território daquele país. A ameaça é tão grande que fez com que o presidente da Guiana, Mohamed Irphan Ali, se deslocasse até Brasília para pedir a interferência do presidente Lula, no sentido de usar sua influência sobre o venezuelano Nicolás Maduro para convencê-lo a desistir da empreitada.
Maduro, no entanto, está disposto a realizar como primeiro passo um plebiscito na região que pretende tomar, para que a população se manifeste se quer continuar como guianense ou passar a ser venezuelana. Em primeiro lugar, é preciso ressaltar a audácia de se arvorar a realizar um plebiscito em território de outro país, sem um acordo internacional. Depois, é preciso indagar sobre qual a confiabilidade de uma consulta popular organizada pelo regime venezuelano, sabendo-se como realiza as eleições no seu país.
O que está em jogo é uma disputa territorial do tempo da colonização da América Latina que, por declaração de Hugo Chávez fora sepultada, mas que, após a descoberta de petróleo na região, Maduro resolveu trazê-la de volta. A área envolvida é a província guianense de Essequibo, de 160 mil km². O território do Essequibo está localizado nos limites fronteiriços dos estados venezuelanos de Bolívar e Delta Amacuro e vai até o rio Essequibo. Possui cerca de 120 mil habitantes e baixa densidade demográfica, já que em sua maior parte é formado por florestas.
O detalhe é que esta província, que já possuía riquezas em ouro e diamantes, teve descobertas em seu mar territorial enormes reservas de petróleo, as quais já estão sendo exploradas por petrolíferas norte-americanas. Fator que tornou a renda per capita dos guianenses a maior da América Latina e lhes deu enormes perspectivas de futuro. Porém, Nicolás Maduro, que já liquidou com as riquezas da Venezuela e não aufere nem mais os recursos do petróleo, resolveu botar a mão no produto do vizinho e frágil país.
A disputa entre a Venezuela e a antiga Guiana Britânica remonta à primeira metade dos anos de 1800, tempo da colonização espanhola, e às delimitações territoriais da época. Durante as guerras de independência na América Espanhola, as autoridades britânicas que então controlavam a Guiana ocuparam os territórios a oeste do rio Essequibo, fato que só foi contestado pela Venezuela após a independência.
Anos de disputas deram origem ao chamado Laudo de Paris, resolução emitida em 1899 por um grupo independente de cinco juristas que decidiu que os domínios sobre o Essequibo eram britânicos. Em 1949, a Venezuela voltou à carga, alegando suposto conluio entre advogados do Reino Unido e um dos juízes que participou do processo. Em 1966, ano da independência da Guiana, foi firmado um acordo envolvendo guianenses, venezuelanos e britânicos, com o Reino Unido reconhecendo a reivindicação venezuelana e sendo estabelecido um prazo de quatro anos para negociação. O prazo esgotou-se sem definição e a Venezuela concordou com uma trégua de 12 anos.
Em 1990, a ONU chegou a mediar uma reunião entre Caracas e Georgetown, mais uma vez sem evolução. Em 2002, o então presidente Hugo Chávez declarou que a Venezuela abria mão de sua histórica reivindicação e o assunto foi dado como encerrado. No entanto, em 2015, foi anunciada a descoberta de enormes reservas de petróleo na região, o que fez Nicolás Maduro voltar ao tema, ameaçando invadir a Guiana.
Só que agora há o interesse de poderosas empresas petrolíferas americanas na região, que firmaram contratos de exploração com Georgetown. O que fez com que os Estados Unidos passassem a realizar exercícios militares na região, em conjunto com forças da Guiana. Houve até mesmo uma visita da comandante do Comando Sul, Laura Richardson. No início do mês, ao tomar posse, a nova embaixadora estadunidense no país, Nicole Theriot, disse que Washington deve fortalecer as relações em matéria de defesa e segurança com o governo guianês. Portanto, a Guiana não está sozinha.
Fonte: Correio do Povo
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