Por Yala Sena
Na montagem de sua mais recente exposição na capital do Piauí, Gabriel Archanjo, 60, traz telas com rostos de mulheres negras em lenços esvoaçantes. As pinturas, que se mesclam com fotos de Irineu Santiago, foram exibidas no filme de Douglas Machado “A Carta de Esperança Garcia”, que tem participação da atriz Zezé Motta.
O documentário é sobre Esperança Garcia, a primeira advogada negra do Piauí escravizada que denunciou maus-tratos. Archanjo é o produtor visual do filme.
“São várias Esperanças Garcia. As imagens são como se elas estivessem lutando para persistirem naquele lenço descartável. Elas existem, elas estão ali. Somos descartáveis para o sistema e a gente fica lutando para existir”, diz o artista.
Criado no bairro Mafuá, região central de Teresina, Archanjo vive cercado pela vulnerabilidade. É filho de sapateiro e mãe professora. Autodidata, leitor contumaz de arte e música, ele iniciou sua relação com a arte ainda garoto pintando a parede e chão de casa, além de cadernos de escola.
O preto e o branco predominam nas suas últimas obras. Segundo ele, “fazer trabalho colorido é doloroso. A minha alma não é colorida. O mundo não é colorido”.
Sobre as comemorações do Dia da Consciência Negra, o artista se diz avesso ao tom de festividade da data, já que a luta precisa ser diária. “Comemoram o dia 20 e depois?”
Em seu trabalho, ele prioriza o que chama de “experimentos”. O artista já pintou em papelina de cigarros, papéis de seda e de pipa. Ele também faz escultura e tem formação em edificação.
No final dos anos 1980, Archanjo iniciou sua carreira como artista visual. Participou de exposições coletivas no Rio de Janeiro, percorreu o país com o Amazonas das Artes —projeto do Sesc que oferece acesso a produtos culturais de forma gratuita— e realizou mostras em vários espaços culturais no Piauí.
Também foi curador de exposição e coordenador de Artes Visuais da Fundação Municipal Monsenhor Chaves, de Teresina. Atualmente está com um trabalho exposto no Sesc Belenzinho, em São Paulo, com o tema “Dos Brasis – Arte e Pensamento Negro”.
Nas exposições que fez ao longo dos anos, percorrendo vários estados, o artista visual faz reflexões sobre capitalismo, discriminação, ancestralidade, empobrecimento, fome, sociedade do consumo e questão negra.
“O artista precisa se posicionar. Tem amigos que me dizem: ‘tu deveria deixar esse negócio de política de mão’”, diz. “Sou um artista político. Sou minoria e aproveito para denunciar certas coisas que não concordo, fazer com que pelo menos amenize”.
Para a doutora pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e professora aposentada de Artes da UFPI (Universidade Federal do Piauí), Zozilena Froz, 67, Archanjo é um grande pesquisador de formas.
“Em várias etapas de seu trabalho, ele usa materiais alternativos, chegou a fazer uma sopa antropofágica usando um prato, tinta branca e bonecos de plástico. É um artista consciente de seu valor e do seu papel na sociedade. É extremamente politizado”, diz ela que acredita que Archanjo deveria ser mais valorizado por ser um expoente da arte no Piauí
Na visão do colecionador de artes, Luiz Fernando Dantas, Archanjo trabalha a essência, sem pensar no comercial, provocando reflexões.
“Uma coisa que acho espetacular no trabalho do Gabriel é que ele aborda a questão identitária com reflexões filosóficas, universal. É uma obra com muitas camadas e consegue perceber um questionamento político, identitário, uma série de questões importante para a arte como memória, apagamento”, diz ele, que há mais de 20 anos tem contato com a obra do artista piauiense.
Fonte: Cidade Verde
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