Pai, uma palavra de poucas letras e fácil escrita. No vocabulário é o homem que gerou um ou mais filhos, mas essa palavra pode ter milhares de significados únicos para cada relação afetiva. Pode significar amor, amizade e parceria e em alguns casos, o nome pai também reflete a ausência. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que mais de 5 milhões de brasileiros não possuem o nome do pai na certidão de nascimento.
Ter o nome do pai no documento é um direito constitucional e um conforto emocional necessário para crianças e famílias como um todo. Em contrapartida, quase 150 mil crianças foram registradas esse ano sem o nome do pai no papel. Os números representam cerca de 6% de todos os nascimentos. Só no Piauí, foram mais de 2,2 mil bebês sendo registrados sem o nome do pai. Um a cada quatro minutos, em média.
“Os casos de subnotificação de resistência civil, podemos até dizer que é um dos grandes problemas sociais que o Brasil enfrenta, mesmo estando em pleno século 21. Digo isso pelo fato dessa matéria ser perfeitamente conciliável, como são todas as ações de família. Temos um alcance pelo resultado via consensual”, afirmou Virgílio Madeira Martins Filho, juiz coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflito do Tribunal de Justiça do Piauí.
O magistrado diz que tudo isso termina sendo levado aos tribunais, lotando ainda mais o poder judiciário. Atualmente, são mais de seis mil processos de averiguação e reconhecimento de paternidade tramitando na Justiça do Piauí. “Registre-se que nós teríamos menos prejuízo pelas partes, principalmente daquele menor, daquela criança, daquela jovem, se houver o reconhecimento natural. A pergunta que fica é: se eu realmente sou pai, por que eu não reconheço? ”, pontuou.
PROJETO (A) GOSTO DE PAI
A problemática abordada faz com que muitas crianças cresçam querendo encontrar os pais biológicos. A designer de moda Naira Lúcia Marques, que somente após completar 38 anos de idade conseguiu conhecer o pai, é um desses casos. Quando sua mãe engravidou, os avós não deixaram que ele participasse desse momento. Desde sua adolescência ela tenta encontrar o pai e completar sua história. Foi a partir de um endereço que ela encontrou a antiga casa do seu genitor.
Naira relata que caminhou pela rua até que sua mãe reconheceu a fachada da casa onde ele morava na época. O primeiro contato foi feito por telefone e a sensação do encontro foi de alívio e emoção. “Eu liguei, perguntei se ele tinha tido um relacionamento com a Fátima em 1980. Ele confirmou, e eu falei: Se eu te disser que sou sua filha? Ele respondeu que iria acreditar, porque já estava me esperando todos esses anos”, disse.
Essa história teve um final feliz e os projetos sociais do Tribunal de Justiça podem facilitar o encontro de pai e filhos, além de promover o reconhecimento de forma rápida e gratuita. É o poder judiciário oferecendo ferramentas tecnológicas e sociais para promover a inclusão de pessoas que não tiveram o nome do pai na certidão. “Ter o sobrenome dele para mim era muito importante. É como se tivesse faltando um pedaço e que agora foi completado”, acrescentou Naira.
O projeto (A) Gosto de Pai nasceu no Tribunal de Justiça do Piauí há cinco anos e já rodou metade do Estado, oferecendo inclusão e dignidade. O objetivo da ação da justiça piauiense é reconstruir histórias e garantir o direito fundamental de todo cidadão à sua identidade genética, como explica Fátima Leite, juíza da Comarca de Piripiri.
“Reconhecer a identidade genética é proporcionar as condições para desenvolvimento emocional saudável de qualquer cidadão. Nesse sentido, o projeto (A) gosto do Pai é um mecanismo de efetivação e proteção de importantes princípios constitucionais, em especial, o princípio da dignidade da pessoa humana e o dever de proteção da unidade familiar”, relata a magistrada.
O estudante Igor Rafael tinha 26 anos, quando no dia 27 de novembro de 2020, foi reconhecido pelo pai. O jovem contou que estava ansioso ao abrir o envelope e com o nome do pai incluído na certidão. “Foi uma mudança de vida. Melhor do que ganhar na loteria. Desde criança tinha muita vontade de conhecer meu pai, e minha mãe nunca negou quem era ele, pois sempre teve certeza”, falou.
Antes de ter o nome do genitor no documento, o jovem relembra os vários momentos em que a ausência do pai causou tristeza principalmente na adolescência. “Quando chegava a época do campeonato de pais na escola todos os meus colegas de classe levavam os seus pais para jogar. Eu não tinha nem o nome dele no papel. Era alvo de críticas e brincadeiras de mal gosto. Ficava deprimida. Chegava a chorar”, relembra Igor.
Relatos assim comove até quem faz parte do dia a dia do projeto, que acompanha esse marco histórico na vida de muitas pessoas que cresceram sem o pai. “Eu acompanho o processo do início até o final, e é tudo emocionante. Uma das coisas mais bonitas que já presenciei. O olhar de cada cidadão que vem até nós a procura de um direito que lhe dará muito mais do que o nome de seu genitor no registro”, destaca Cristiany Nunes, secretária do Centro de Conciliação de Piripiri.
O projeto é uma ação gratuita destinada a pessoas com renda familiar de até três salários mínimos. Além da perícia em processos com pendências de exames de DNA, o projeto também prevê o julgamento dos processos com base na presunção de paternidade, na hipótese do suposto pai não atender a determinação do exame de DNA. O (A) gosto do Pai conta com o apoio do Ministério Público do Piauí, da Defensoria Pública do Piauí e do Governo do Estado do Piauí, por meio do Laboratório Central (Lacen).
PROGRAMA EU TENHO PAI
Outro projeto do TJ-PI que contribui para esse problema em relação a partir da paternidade é o “Eu Tenho Pai”, que percorre o estado há mais de uma década no seu formato itinerante. O juiz Carlos Augusto Júnior, auxiliar da Justiça Itinerante explica mais sobre o projeto, feito a partir da realização de exames de DNA.
“O projeto vem para cumprir a Constituição Federal, que assegura o direito à paternidade responsável para todos os cidadãos brasileiros. Esse projeto facilita a coleta do material genético para fins de verificar cientificamente se aquela pessoa, de fato, é o pai daquela busca reconhecimento paterno”, detalhou.
De acordo com o magistrado, a iniciativa traz benefícios para toda a população, especialmente a piauiense de baixa renda, que procura, por meio do reconhecimento extrajudicial ou judicial, ter o seu direito constitucional garantido de forma rápida e gratuita. “É permitido que essas pessoas saiam já com o mínimo de viabilidade em ter em seus assentos o reconhecimento daquela paternidade que está sendo investigada”, pontua.
Só nos últimos três anos mais de 4,1 mil coletas de DNA para reconhecimento de paternidade foram feitas no Piauí de forma gratuita. “Além dos processos com pendências de exames de DNA, também realizamos atendimentos relacionados à investigação de paternidade extrajudicial”, acrescenta Vanessa Brandão, superintendente da Justiça Itinerante.
NÚCLEO PERMANENTE DE MÉTODOS CONSENSUAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO
Todo o trabalho dos projetos de reconhecimento de paternidade do Tribunal de Justiça do Piauí está diretamente ligado ao setor de solução de conflitos e conciliação do órgão. No início do mês de novembro, o TJ-PI promoveu a XIX Edição da Semana Nacional da Conciliação, que visa promover, através dos Tribunais de Justiça, do Trabalho e Federais, mutirões de sessões de conciliação de processos.
“É com muita honra que o Tribunal de Justiça piauiense celebra mais uma edição da Semana Nacional da Conciliação, esse evento tão importante ao Judiciário e à sociedade que, ano após ano, vem consolidando as ferramentas que trabalham com a conciliação na Justiça”, celebrou o corregedor-geral da Justiça do Piauí, desembargador Olímpio Galvão, durante a abertura do evento.
Para a secretária do Cejusc (Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania ) 1 de Teresina, Rita Almeida, a conciliação é uma alternativa do Judiciário na busca por resoluções mais pacíficas entre as partes.
“A conciliação é um processo que busca a resolução da Justiça através do diálogo e do acordo, de forma consensual, com o objetivo de sanar o conflito existente entre as partes. Ela busca resolver efetivamente o problema fora de uma judicialização mais complexa, resultando na restauração da relação social entre os envolvidos, dentro dos limites possíveis, claro”, explica Rita Almeida.
Com essas ações e buscando sempre a conciliação, o poder judiciário piauiense se coloca à disposição do cidadão buscando promover mais celebridades nas ações e inclusão a direitos garantidos na constituição, mesmo que muitos homens querem fugir dessa obrigação.
Fonte: Conecta Piauí