Durante a pandemia da covid – tempo de medo e incertezas –, fui escrevendo despretensiosamente uma crônica aqui, outra acolá. A primeira delas foi inspirada justamente no nefasto coronavírus. Daí em diante, outras histórias foram brotando (por que não dizer supurando?!), e o resultado, depois de quase cinco anos, é uma coletânea de textos publicados nos portais JTNews (Teresina) e Sertão Atual (Simões).
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Sussurros do Mundo inaugura a fase de amadurecimento do autor: acabei de completar… (só precisam saber que são, aproximadamente, 40 anos de idade). Maturidade evidenciada na escrita formal e na sobriedade com que trato temas universais: injustiça, egoísmo, abandono, solidão, desilusão, tristeza, morte – quiçá resultado da crise (ou lucidez) da meia-idade. Não obstante o fardo que o livro carrega, a este não faltam esperança, ternura, amor, vida.
Em 2014, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Adélia Prado falou, entre outras coisas, do deserto que foi arrancar de si o seu livro intitulado Miserere. Ela disse (e eu resumo):“Não tem essa pessoa que passe a vida sem sofrer. Eu acho o sofrimento importantíssimo, porque ele é condição de consciência, de mais consciência. Então uma pessoa que não sofre é um fenômeno que tem de ser observado. Todos temos motivos de sofrimento, porque é a finitude da vida, a nossa precariedade; nós envelhecemos, adoecemos, morremos; temos amor, ódio, esperança, desconfortos físicos, morais, filosóficos… então tudo isso é sofrimento. Eu acho que uma das coisas mais importantes na vida de uma pessoa é encarar o sofrimento.
Por isso que eu tenho muito medo de livro de autoajuda, porque quer desviar você daquilo que é importantíssimo de encarar – a primeira coisa é você mesmo. Você tem que dizer um sim para aquela situação, para aquela dor. Fugir de dor é uma perda de tempo; você a encontra lá na esquina outra vez. E é possível a gente sofrer em paz. A coisa tá pegando fogo, mas você está em paz. Isso é possível”.
A exemplo da escritora mineira, veem-se, nas trinta crônicas de minha modesta produção, os mais variados conflitos da existência humana tratados com perplexidade e encanto. Portanto é válido dizer que é uma obra confessional, reflexiva, conscientizadora e, sobretudo, plural – pois ninguém possui o monopólio das inquietações, temores e dores. O que há de mais intrigante é que a leitura não propõe causar angústia nem ensiná-los a viver: o atraente, na verdade, é compreender o processo que é a vida, com lágrimas e sorrisos, perdas e ganhos; culminando, inclusive, com o inevitável fenecimento. E essa compreensão é, senão revigorante, no mínimo reconfortante.
Não há cura sem enfermidade, nem cicatrização sem ferimento. A aceitação desse paradoxo é que torna a caminhada serena. Por isso os proponho a beberem do remédio amargo contido nessas linhas e espero “que esse canto torto feito faca corte a carne de vocês” (Belchior, A palo seco, 1974).
Acerca do aspecto coletivo das narrativas, a capa é bem sugestiva. Um homem, de frente para uma multidão, colhendo os dramas de todos. Mal comparando com o filme À espera de um milagre (The Green Mile, 1999), John Coffey, personagem de Michael Clarke Duncan, absorve as doenças dos infelizes, deixando-os curados. Enquanto que a contracapa, especialmente a imagem do vulcão em erupção, representa as palavras que, ardendo igual lava, emergem do escritor. O propósito não é fornecer aos leitores fórmulas de resolução de seus dilemas; muito menos, tal qual na película estrelada por Tom Hanks, proporcionar um curativo para seus males: mas tão somente gritar por aqueles o grito que não saiu.
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Ainda na contracapa, é possível sentir a paz da noite e da plenitude do céu, reafirmando a antítese que é estar vivo. Oximoro flagrante na biografia concisa: “Um indivíduo que sorri e que chora, que vive e que morre – como qualquer outra pessoa!”. Além da brevidade que denota pequenez e efemeridade do ser humano ante o Universo. Consequentemente não passo de mais um pontinho que um dia se apagará na vastidão do firmamento.
Por fim, convido-os a abrir o meu, o seu, nosso diário – que está longe de ser um curandeiro. Mas posso assegurá-los de que sentirão alívio ao ouvir os brados que, tímida ou involuntariamente, foram cochichados a meu ouvido.
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Flávio José Pereira da Silva [Flávio de Ostanila] é policial penal, escritor, bacharel em Direito e professor de Língua Portuguesa.
Fonte: JTNEWS